Vedor da Fazenda
O Vedor da Fazenda ou Veador da Fazenda (ou antes viador, do latim via, caminho ou estrada)[1][2] é um título que era destinado obrigatoriamente a cidadãos nobres ou que fossem provenientes de famílias nobres[3]. O primeiro vestígio da sua atividade financeira acontece no reinado de D. Afonso IV[4], em 1341[5].Mas será no reinado de D. Fernando I[6], na década de 70, que se oficializa no sector da Fazenda régia com a fixação de dois Vedores da Fazenda e um escrivão em exercício simultâneo, coadjuvados pelos contadores régios[7]. Com a missão de controlarem e registarem, as receitas e despesas, do Reino de Portugal e da Casa Real. É inicialmente o oficial da fazenda, economia da casa e do reino, da sua provisão, regulamento e fiscalização[8].
Controlavam o tesouro dos monarcas e fiscalizavam os ingressos derivados do exercício do poder (receitas aduaneiras e demais receitas públicas, v.g. sisas, dízimas, portagens e ancoragens, pensões de tabeliães, rendas e direitos da chancelaria, tributos dos judeus) e as despesas ordinárias (mantimentos, pensões, salários) e despesas extraordinárias (guerra e missões diplomáticas)[9].
Era a quem cabia a administração superior do Património Real e da Fazenda Pública[10].
Sendo, nesse tempo, João Anes (de Almada) o primeiro vedor dessa Fazenda Régia.
Depois, passaram a ser três vedores em exercício, numero este referido quando em 1520 El-Rei D. Manuel pretende estipular uma divisão mais clara das funções de cada um. Nessa altura refere-se ao Conde de Vimioso, ao Barão de Alvito e a D. Pedro de Castro, que se manterão em funções com D. João III, juntando-se-lhes Nuno da Cunha, por renúncia de Tristão da Cunha, seu pai – desde 27 de Dezembro de 1521[11].
Por ser uma função tão importante no serviço real quanto zeladora dos bens e direitos da Coroa e da Casa Real, em Lisboa e por todas as comarcas do reino, que houve desde finais da Idade Média uma secularização e acentuada aristocratização desta[12]. Mas também não admira pois, segundo D. Manuel I, as características que idealmente teriam os homens que desempenhassem estas funções: “honrados e de bõas e saãs cõsciencias”, deveriam ter muito cuidado ao olhar por todas as coisas que pertencessem ao rei. E tinham de ser ricos, para que não se deixassem corromper nem tivessem necessidade de executar funções que os desviassem do serviço ao monarca[13].
O cronista Fernão Lopes, incumbido por D. Duarte, em 1434, de redigir as crónicas dos reis antecessores, faz referência direta aos oficiais que detinham o controlo das despesas da fazenda régia quando diz: «em cada huum anno eram os reis certificados polos vedores da fazenda das despesas todas que feitas haviam»[14].
Inclusive, como controladores da Fazenda real (bens e rendas) e dominando múltiplos oficiais, cabia aos Vedores da fazenda assegurarem-se de uma informação continua sobre as propriedades e negócios do monarca no Reino e fora dele e prover às situações regulares[15].
Perante os Vedores da Fazenda respondiam os contadores e os porteiros que desempenhavam as funções de contabilistas da casa régia, seguidos do tesoureiro-mor e do esmoler-mor, acompanhados de perto pelo reposteiro-mor que tradicionalmente possuía atribuições financeiras relacionadas com a atividade da Corte. Estes oficiais tinham por missão a fiscalização de todos os atos executados com dinheiros do património régio[16].
Mas, observa Helena Maria Matos Monteiro, na sua dissertação de mestrado sobre os meados do século XV e anterior, que nos livros de chancelaria surgem também cartas redactadas pelos Vedores da Fazenda, sobretudo de subscrição régia, Mas para além "da redacção de um conjunto de cartas ligadas aos bens e direitos do rei ou da coroa"[17] a eles cumpre também a preparação e a própria execução das mesmas". Paralelamente desempenham múltiplos "encarregos". Em suma, são oficiais 'polivalentes', e destacados membros da "sociedade política" afonsina e joanina de um departamento 'já ' quase patriminonializado[18].
No Ultramar português, seguindo a escala hierárquica, o vedor encontrava-se logo a seguir ao vice-rei.
No decorrer desse período da gestão do Império de Portugal há uma descrição de um viajante estrangeiro que permite que facilmente se perceba a constituição do poder político e a respectiva distribuição na cidade de Goa, onde se situava o centro de decisão de Índia Portuguesa, começando por descrever a figura do Vedor da Fazenda que governa na Praça da Ribeira Grande, sendo ele “... o intendente de todos os negócios da fazenda e de tudo quanto em Goa se faz [...] porque é ele a segunda pessoa abaixo do vice-rei («Viagem de Francisco Pyrard de Laval», edição de Joaquim Heliodoro e Magalhães Basto, Porto, Livraria Civilização, Vol. II, cap. III, pág. 34.).” A criação deste cargo remonta a 1517 e possibilitou a prossecução de uma magistratura capaz de interferir na administração das fortalezas, exercendo a sua jurisdição sobre todos os oficiais da fazenda que nelas se encontravam. As suas funções incidiam na inspecção administrativa, controlando desta feita o cumprimento dos regimentos dos seus oficiais. [19].
Índice
1 Historial
2 Veadores ou vedores em Portugal
3 Referências
4 Bibliografia
5 Ver também
Historial |
Nos finais do século XII, surge o dapifer regis ou vedor que vai exercer as funções de administração palaciana que anteriormente competiam ao mordomo-mor[20].
No tocante à administração financeira, já em 1255 nos surge o porteiro-mor (inicialmente intermediário no acesso à pessoa do rei e depois transformado em superintendente na cobrança de tributos e receitas patrimoniais régias) a que no século XIV vão suceder, primeiro, os ouvidores da portaria e, depois, os vedores da fazenda[21]., ambos com funções quer de superintendência tributária quer de contencioso fiscal. No domínio da fiscalização financeira, com D. Dinis destaca-se da cúria régia a estrutura dos Contos, cujo primeiro regimento conhecido data de 5 de Julho de 1389, desdobrados em Contos de Lisboa e Contos de El Rei e que D. Manuel unifica nos Contos do Reino e Casa, sob a direcção de um provedor mor[22].
Os Vedores da Fazenda, desde o reinado de D. João I (1385-1433), encontram-se vinculados à cobrança e auditoria das contas da casa real, dos almoxarifados e das contadorias fora da comarca de Lisboa, para além de zelarem pelos bens régios[23].
Um século mais tarde, no reinado de D. Manuel I (1495-1521), em resposta ao aumento dos negócios do Estado real com a expansão ultramarina, extensa a São Jorge da Mina e a Índia, os Vedores da Fazenda dispõem de regimento próprio e detêm amplas competências no domínio financeiro e fiscal[24].
Foi nas Cortes de Tomar, em 1581, em que Filipe II de Espanha foi jurado Rei – Filipe I de Portugal –, que os povos pediram ao monarca que despachasse os negócios do Reino na nossa língua, com portugueses, um Chanceler-Mor, um Vedor da Fazenda e dois Desembargadores do Paço, com quatro escrivães. O Rei concordou e assim nasceu o Conselho de Portugal[25].
Ainda sobe Domínio Filipino, na área da administração financeira em 20 de Novembro de 1591 vai surgir o Conselho da Fazenda, onde se integram a Casa dos Contos, a Casa da Índia e as Alfandegas, competindo-lhe centralizar todas as matérias financeiras e sendo presidido pelo vedor da fazenda, assistido por quatro conselheiros. Em 1663 passa também a coordenar as matérias referentes às companhias de comércio. Com o Marquês de Pombal, por lei de 22 de Dezembro de 1761, o Conselho transforma-se em mero tribunal de jusrisdição voluntária e contenciosa, passando a competir ao Tesouro Geral ou Erário Régio a centralização de todas as receitas e despesas públicas, extinguindo-se também a Casa dos Contos[26].
A estrutura governamental dos primeiros tempos da República portuguesa altera a designação da Fazenda para Ministério das Finanças[27].
Veadores ou vedores em Portugal |
Alguns titulares designados por vedor, cujos cargos eram exercidos no Reino de Portugal e seu império assim como no Brasil Imperial, eram:
- Vedor da Fazenda - encarregado da administração financeira e económica do Reino[28];
- Vedor da Fazenda de Lisboa - assessorava o contador-mor[29];
- Vedor da Casa - administrador financeiro da Casa Real, substituindo o mordomo-mor, nos seus impedimentos[30];
- Vedor da Casa da Rainha - administrador financeiro da Casa da Rainha[31];
- Vedor da Casa do Príncipe - administrador financeiro da Casa do Príncipe[32] ou "dos Infantes"[33];
- Vedor-mor das Obras e dos Resíduos[34];
- Vedor dos vassalos de comarca[35];
- Vedor-mor de artilharia - comandante-geral da Artilharia[36].
Referências
↑ Veador, Dicionário Português (on-line). Edição 1.4 (jan 2016).
↑ (ou vereda). Com a mesma etimologia surge mais tarde o vereador
↑ Veador, Dicionário Português (on-line). Edição 1.4 (jan 2016).
↑ Vicente, Ricardo Pinheiro. - Almoxarifes e almoxarifados ao tempo de D. Afonso IV : uma instituição em evolução. Coimbra : [s.n.], 2013. 155 f. Dissertação de mestrado em História (Territórios, Poderes e Instituições), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
↑ Henriques, António (2008). State Finance, War and Redistribution in Portugal, 1249-1527. York: University of York. 139 páginas
↑ Casa dos Contos (1389-1761), Tribunal de Contas
↑ Reino de Portugal, Reino de Portugal (1984). Ordenações Afonsinas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. pp. 23b–25
↑ Diccionario da lingua portugueza, por António de Morais Silva, Na impressão regia, 1831, Volume 2, pág. 868
↑ A atividade financeira da Corte dos reis de Portugal (séculos XIV e XV), por Judite A. Gonçalves de Freitas, Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade / FCT / Universidade do Porto, e-spania, 20 de Fevereiro de 2015
↑ Casa dos Contos (1389-1761), Tribunal de Contas
↑ «A governação de D. João III: a Fazenda Real e os seus vedores», Autor: Maria Leonor García da Cruz, Editora: Centro de História da Universidade de Lisboa, Data: 2001, p. 36
↑ «A governação de D. João III: a Fazenda Real e os seus vedores», Autor: Maria Leonor García da Cruz, Editora: Centro de História da Universidade de Lisboa, Data: 2001, p. 33 e 34
↑ «A burocracia régia e os seus oficiais no tempo de D. Manuel I», Autores: Faria, Diogo, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Instituto de História Económica e Social, ed. lit. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014, Aparece nas colecções: Revista Portuguesa de História nº 45, pág. 600 e 601
↑ A atividade financeira da Corte dos reis de Portugal (séculos XIV e XV), por Judite A. Gonçalves de Freitas, Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade / FCT / Universidade do Porto, e-spania, 20 de Fevereiro de 2015
↑ «A governação de D. João III: a Fazenda Real e os seus vedores», Autor: Maria Leonor García da Cruz, Editora: Centro de História da Universidade de Lisboa, Data: 2001, p. 39
↑ A atividade financeira da Corte dos reis de Portugal (séculos XIV e XV), por Judite A. Gonçalves de Freitas, Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade / FCT / Universidade do Porto, e-spania, 20 de Fevereiro de 2015
↑ Os principais tipos de cartas que passaram pelas mãos destes oficiais são: contratos de exploração, doações de bens e direitos e provimentos de ofícios. - «A burocracia régia e os seus oficiais no tempo de D. Manuel I», Autores: Faria, Diogo, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Instituto de História Económica e Social, ed. lit. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014, Aparece nas colecções: Revista Portuguesa de História nº 45, pág. 600 e 601
↑ A Chancelaria Régia e os seus Oficiais (1464-1465), por Helena Maria Matos Monteiro, Dissertação de mestrado em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto
↑ A viagem de Francisco Pyrard Laval, por Marco Monteiro, Cadernos da História
↑ Estrutura do Governo, História portuguesa, por José Adelino Maltez, Respublica, Repertório Português de Ciência Política, Edição electrónica 2004, Última revisão em: 20-01-2009
↑ A origem da Vedoria da Fazenda remonta ao ofício de porteiro-mor a que sucederam os ouvidores da portaria nos finais do reinado de D. Dinis (1321), consolidando-se nos inícios do reinado de Afonso IV (1325-1357) e de Pedro I (1357-1367), competindo-lhes a cobrança das rendas e tributos dos bens da Coroa - A atividade financeira da Corte dos reis de Portugal (séculos XIV e XV), por Judite A. Gonçalves de Freitas, Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade / FCT / Universidade do Porto, e-spania, 20 de Fevereiro de 2015; citando António Henrique de Oliveira Marques, «Fazenda Pública na Idade Média», in : Joel Serrão (dir.), Dicionário de História de Portugal, Porto: Livraria Figueirinhas, 1985, vol. 2
↑ Estrutura do Governo, História portuguesa, por José Adelino Maltez, Respublica, Repertório Português de Ciência Política, Edição electrónica 2004, Última revisão em: 20-01-2009
↑ A atividade financeira da Corte dos reis de Portugal (séculos XIV e XV), por Judite A. Gonçalves de Freitas, Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade / FCT / Universidade do Porto, e-spania, 20 de Fevereiro de 2015
↑ A atividade financeira da Corte dos reis de Portugal (séculos XIV e XV), por Judite A. Gonçalves de Freitas, Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade / FCT / Universidade do Porto, e-spania, 20 de Fevereiro de 2015
↑ Do Conselho de Estado ao Actual Supremo Tribunal Administrativo, por Maria da Glória Ferreira Pinto Dias Garcia, nota 22, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Lisboa, 20 de Março de 1998
↑ Estrutura do Governo, História portuguesa, por José Adelino Maltez, Respublica, Repertório Português de Ciência Política, Edição electrónica 2004, Última revisão em: 20-01-2009
↑ Estrutura do Governo, História portuguesa, por José Adelino Maltez, Respublica, Repertório Português de Ciência Política, Edição electrónica 2004, Última revisão em: 20-01-2009
↑ Cargos e Dignidades da Casa Real Portuguesa, por José J. X. Sobral, Audaces, 2 de Novembro de 2018
↑ Em 1440 é criado o ofício de vedor da fazenda de Lisboa que assessorava o contador-mor - A atividade financeira da Corte dos reis de Portugal (séculos XIV e XV), por Judite A. Gonçalves de Freitas, Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade / FCT / Universidade do Porto, e-spania, 20 de Fevereiro de 2015
↑ Cargos e Dignidades da Casa Real Portuguesa, por José J. X. Sobral, Audaces, 2 de Novembro de 2018
↑ Cargos e Dignidades da Casa Real Portuguesa, por José J. X. Sobral, Audaces, 2 de Novembro de 2018
↑ Cargos e Dignidades da Casa Real Portuguesa, por José J. X. Sobral, Audaces, 2 de Novembro de 2018
↑ Diccionario da lingua portugueza, por António de Morais Silva, Na impressão regia, 1831, Volume 2, pág. 868
↑ A Chancelaria Régia e os seus Oficiais (1464-1465), por Helena Maria Matos Monteiro, Dissertação de mestrado em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto
↑ A Chancelaria Régia e os seus Oficiais (1464-1465), por Helena Maria Matos Monteiro, Dissertação de mestrado em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto
↑ Cargos e Dignidades da Casa Real Portuguesa, por José J. X. Sobral, Audaces, 2 de Novembro de 2018
Bibliografia |
- «A governação de D. João III: a Fazenda Real e os seus vedores», Autor: Maria Leonor García da Cruz, Editora: Centro de História da Universidade de Lisboa, Data: 2001, Descrição: Origináriamente tese de doutoramento em História Moderna, apresentada à Universidade de Lisboa, através da Faculdade de Letras, 1999
- Vicente, Ricardo Pinheiro. - Almoxarifes e almoxarifados ao tempo de D. Afonso IV : uma instituição em evolução. Coimbra : [s.n.], 2013. 155 f. Dissertação de mestrado em História (Territórios, Poderes e Instituições), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Ver também |
- Provedor-mor
- Real Erário
- Casa dos Contos do Reino
- Casa da Índia
- Conselho Ultramarino
- Tesouro nacional